A Poesia do Éden Que Se Rompe Em Nós e a Luz da Serpente
Assim...
No princípio era a pureza. E a pureza era o Éden. Lá, éramos apenas filhos — nus de vergonha, plenos de inocência. Vivíamos sob a sombra protetora de um Deus-Pai: onipotente em cuidados, onisciente em orientações, onipresente no afeto.
Mas o porquê daquele fruto?
Porque assim ele mandou. Porque não podia. Porque era perigoso. Porque era cedo demais.
A infância, tal qual Adão e Eva entre flores e árvores, constrói-se entre limites suaves e muros invisíveis. Crescemos sob os “porquês” de nossos pais, ecoando como mandamentos silenciosos. Não questionamos, apenas obedecemos, mesmo sem entender.
Mas chega o dia. O dia em que a Serpente sussurra em nossos ouvidos não o mal, mas o primeiro grande Porquê:Por que eu não posso?
Por que eu tenho que ser assim?
Por que isso e por que aquilo?
Misericórdia...
Que criança é essa que pergunta tudo?
É nesse exato instante de nossas mentes inquietas e curiosas pelas coisas do mundo que o fruto aparece diante de nós. Com o cheiro de manga madura, suculenta, mas proibida — conhecimento. A primeira mordida é amarga – talvez seja a casca, que ainda nem sabemos descartar, mas mordemos com a fome do “não saber” para saber: vem com dor de consciência, culpa e castigo. Mas...
Que sabor de liberdade!
Na adolescência, talvez seja a nossa verdadeira queda do Éden. É o momento em que somos expulsos do jardim da infância para vagar pelo deserto da dúvida, da turbulência do corpo e das ânsias da vida adulta. Agora, não há mais “porque sim”. Queremos razões, queremos sentido, queremos nomear as coisas e desafiar o Criador, o pai, a mãe, a vida, o sistema.
Aqui, o “Porquê” ganha peso de argumento. Já não é mais inocente. Agora é resistência, enfrentamento, crítica. É o adolescente que vê o Deus-Pai como um tirano. É Lúcifer questionando: “Se sou feito à sua imagem, por que não posso me elevar até você ou seguir com a mesma liberdade que (de)tém?”
Começamos a desconfiar do paraíso. Do conforto. Da ignorância.
Porque...
A dúvida vira hábito. Cada regra vira uma cerca a ser pulada. Cada silêncio, um grito contido.
A adolescência é a travessia. Entre a cerâmica de barro frágil da obediência e as primeiras chamas de fogo e luz do entendimento. Entre as sombras dos mitos de uma pedra bruta e o brilho incômodo da razão de uma pedra lascada ou polida. É a travessia do homem paleolítico para o homem neolítico. Do homem antigo para o homem médio, moderno... Para o homem-luz da informação e da Pós-modernidade.
Por quê...
Por que tudo muda? Por que o corpo se transforma, a mente explode, e o coração quebra?
Aquilo que antes bastava agora não serve mais, por quê?
Porque crescer é perder o Éden. É abrir os olhos e perceber que estamos nus — mas agora sabemos. Sabemos das dores, dos desejos, das injustiças, das máscaras. Sabemos que a maçã ou manga mordida nunca volta ao galho. E mesmo assim, seguimos. Porque precisamos saber.
A adolescência é, portanto, a maior alegoria da humanidade: A segunda Gênesis. A queda necessária. A rebelião como parto da consciência.
E no final, não importa o quanto te digam que você errou em comer o fruto. Porque o verdadeiro erro seria nunca ter perguntado: Por quê?
Mas precisamos nos despir da culpa, e, culpamos para nos livrar dela: o pai, por nos privar de liberdade e sabedoria ou, por ser detentor de poder, opressão e submissão; Eva, a mulher frágil, tentada pelo desejo de saber; ou a Serpente-Capeta tentadora da ambição, que, pintada como portadora das trevas, foi o pivô da liberdade e do conhecimento, mas também do suor e das dores.
Entre a luz e a sombra, quem somos nós?
Lúcifer, enquanto alegoria, não é apenas o "mal encarnado", mas sim um espelho profundo da condição humana. O desejo de saber, de ultrapassar limites, de romper com hierarquias impostas e experimentar a liberdade — ainda que sob o peso da consequência — é uma marca da nossa existência desde os primórdios. Não por acaso, é ele quem oferece o fruto proibido, o símbolo do conhecimento, da escolha e do livre-arbítrio.
Afinal, qual seria o real pecado de Eva? Desobedecer ou desejar saber? E qual foi o verdadeiro erro de Lúcifer? Rebelar-se ou não se conformar com uma ordem estabelecida sem espaço para autonomia?
Pensar simbolicamente no "Tio Lú" é pensar sobre si mesmo. É entender que dentro de nós há luz, mas também há sombra. Que dentro de nós mora o anseio por compreender o que há além dos muros do Éden, e que crescer dói — mas é necessário.
Em uma sociedade que ainda penaliza o pensamento crítico, o questionamento e a busca por conhecimento, e se conforma com o pensamento barato e mastigado, não é de se admirar que Lúcifer tenha sido pintado como o vilão principal. Questionar a ordem é sempre perigoso para quem está no topo dela e a detém.
Jesus foi crucificado por ter posto em xeque um sistema romano de exploração econômica com altos impostos à população, e, buscando manter a ordem, Pôncio Pilatos o condenou à morte. Galileu foi privado de sua liberdade por defender ideias científicas que contrariavam a visão oficial da Igreja.
Lembre-se: o conhecimento nos liberta, e é justamente por isso que tentam nos afastar dele. A luz de Lúcifer pode ter sido renegada ao inferno, mas ainda brilha para aqueles que se atrevem a enxergar além do dogma, além da narrativa única.
Portanto, não se trata aqui de defender o "Capeta", mas de compreender o que ele simboliza: a liberdade de pensar, de ser, de se rebelar e de evoluir.
Então, se hoje você se sente expulso do seu "Éden", pergunte-se: será que você foi condenado ou será que você foi libertado?
Porque talvez, no fundo, todo conhecimento verdadeiro seja uma queda necessária...
... para a libertação,
... para a vida,
... para um futuro!





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