O brasileiro vira-lata!
O título deste blog pode lhe parecer um tanto ridículo, mas, com certeza, você já se viu num limbo social que não te identificam nem como negro, tão pouco como branco, mas, moreno. E, afinal de contas, moreno é raça/etnia? Que características físicas, culturais, históricas e sociais identificam o meu grupo e a minha origem? Já se perguntou em que nicho étnico e social você está inserido?
Então, é com este sentimento de Vira-lata Caramelo que vou me debruçar nesses 'porquês'.
Você que não tem a pele retinta e como milhões de brasileiros que dispõem em seus registros de nascimento a descrição de raça/cor parda, já questionou se isso, afinal de contas, é raça ou cor?
Bom, eu posso seguramente dizer que, dificilmente esse processo de autoconhecimento e conscientização teria vindo naturalmente se não fossem os antirracistas que estão tomando voz e espaço. O racismo estrutural lhe cresceu tão enraizado que você não acordaria numa bela manhã de domingo e diria: “Eu sou Negro!”.
Não!
Este blog é um relato de descobertas, de vivências, de informação, de posicionamento e até mesmo de poder.
UMA VOZ RETINTA
Eu: Oi?
É claro que o diálogo não se estendeu muito naquele momento, visto que, a luta para quem tem a pele retinta e vibrante é diária e cansativa. Por conta disso, ficamos somente na introdução deste expresso.
Bom, eu poderia não ter me importado e deduzir aquela fala como uma opinião muito alheia ao que tenho de registro, mas estamos vivendo numa era de desconstrução de valores para viabilizar o respeito, a justiça, a igualdade, a lei e a humanidade, no seu sentido mais nobre, é claro! Essa categorização de raça que me foi jogada como interrogação vagante na minha mente, veio de um amigo que considero e tenho de anos. Por esses motivos, não pude deixar isso solto como nuvem aqui dentro.
A CIÊNCIA DA RAÇA!
Indo pelos meios mais técnicos desta abordagem, vemos que a ciência não viabiliza separar por grupos de raças a espécie humana, visto que, não há nichos de categorização genética para isso. Portanto, conclui-se que esta separação se dá por questões puramente étnicas.
UMA SUPRESSÃO HISTÓRICA!
Viajando por nossos antepassados, temos uma história de genocídio, escravidão e supressão de identidades culturais negras, seja no holocausto, na segregação racial, no apartheid ou no extermínio e julgamento da população periférica. O domínio do branco durante séculos nos deixa um legado de cicatrizes, desigualdades e preconceitos. Esta supremacia alva, com raízes e motivações econômicas e políticas, sangra a pele retinta até os dias atuais e se estende aos miscigenados, não tão diferentes dos que se apontam de cara por sua pele negra!
A confusão na definição de raça é antiga e não está exatamente clara na mente de um povo majoritariamente negro. O embranquecimento hipócrita e forçado da população com intuitos econômicos (quem tem poder e privilégios, não quer perdê-los) também muito se dá na miscelânea da palavra cor e da mesclagem com o sentido raça, que antes, poderíamos dizer, não era tão caótica ou triturada pela miscigenação de povos. Mas, estou dizendo isso de uma forma muito particular para dar entendimento a esta falta de identidade racial da minha parte.
O que se entendia de raças humanas como negros, caucasianos, amarelos, indígenas, etc., anulava o meu pardo de registro de forma subtendida e me excluía da porção negra ou de quaisquer outras identidades grupais.
Por quê?
Tenho traços negroides, mas não tenho a pele retinta.
Esse processo de miscigenação que não quer se identificar nem negro, nem branco, é uma linha tênue que separa um do outro e que parece não dar lugar de fala ou posição. Dentre as definições da palavra pardo temos:
— De cor escura, entre o branco e o preto;
— Branco SUJO, escurecido;
— De cor fosca, que pode variar do amarelo ao marrom escuro.
— Diz-se dessas cores.
Ou seja, é um meio transitório que não se identifica como íntegro ou genuíno nem de um lado, nem de outro, portanto é excludente, quer queira, quer não!
Logo, podemos supor que, o processo para identificar-se por raças, é um ato de questionamento do seu lugar, da sua realidade, descendências e biotipo!
POR AQUI FOI O MEU LUGAR!
Tudo aquilo que está acerca de, que delimita, que circunda algum polo, núcleo ou centro, pode ser chamado de periferia… simplificando, é claro! Nossos grandes centros de cidade foram fundadas por mão de obra negra, indígena e escrava, mas sitiadas predominantemente pelos brancos. Para você que mora no estado do Rio, é só sair de sua casa, no interior da cidade ou comunidade, e chegar aos bairros próximos ao centro e zona sul do estado que você notará clarividente, a “branquitude” predominante.
Logo, podemos tirar somente deste fator, o legado sócio-histórico de origem do negro!
O MEU SANGUE É NEGRO!
Nossa descendência ou ancestralidade, é fator importante para ter de convicção o que corre no sangue. Entretanto, a mistura de povos durante a história da humanidade, nos dá uma diversidade genética incontestável e isso traz confusões de argumentações ideológicas que tentam deturpar, suprimir e deslegitimar constantemente a história do povo negro. Você pode ser branco e ter avós negros, porém tão somente isso, ter descendentes negros, não te torna um. Mas acredite, há quem afirme que sim! Estamos aqui contextualizando o que é ser negro, e sua descendência isolada, não te torna um! Seus cabelos lisos, pele alva e traços finos, não te dão essa posição social em um sistema estruturalmente racista, pois você não é excluído socialmente por essas características.
AS CRÔNICAS DE UM NÃO BRANCO
Você trabalha na zona sul… É estranho ter a sensação de estar entrando em outro país à medida que essa minhoca metálica sobre trilhos vai chegando nos grandes centros brancos de destino. Você entra no prédio comercial e o seu “bom dia” ao porteiro, já não soa tão duvidoso quanto foi o do primeiro dia. No elevador, ela abraça a bolsa com mais firmeza e me escaneia com os olhos antes de retribuir quaisquer saudações minhas. Você pensa: “Gente, tô mal vestido? Será que eu tô sujo? Falei algo de errado? Ah, sei lá!” e a vida segue…
Na juventude, você sempre é mutante e sempre quer mudar. Ver o mesmo aspecto no espelho, te fez tedioso na aparência. O cabelo curto e formal, já não te agrada mais… E, comenta com um qualquer mais próximo: “Vou deixar o cabelo crescer, talvez uma trança nagô”. “Nossa!” — Eles respondem: “Vai deixar o cabelo sarará, é?”. Eu, com certa estranheza, esboço um sorriso e digo: “Ãaaah, sim, sim!” — “Olhaaa, fulano… ele resolveu ficar sarará!”. Pronto, virei chacota sem nem saber o porquê. Que diabos é sarará, meu Deus? Enfim…
N'outro dia, você discute com o namorado numa noite não tão tarde. Ele, branco com as madeixas lisas e olhos claros, dispara na frente sem querer te ouvir, mas a passos brandos, só mantendo a frente mesmo. Você não repara, mas no caminho tinha uma viatura policial bem escondida na penumbra de uma árvore não tão distante. Passando deste ponto, em alguns metros (para meu desespero), você tem dois homens fardados dizendo: “Devagar, devagar, devagar…” — com uma das mãos na arma e pergunta: “Está tudo bem, rapaz?”. Você percebe que a pergunta não foi direcionada a você! E ele ouve um: “Não, está tudo bem, não é nada não!”. Dali você segue sua vida livre, mas com uma taquicardia e tensões a mais na conta do mês!
Rodo cotidiano? Talvez!
Nessas ainda brandas crônicas de um periférico e não branco, questionar seu valor, seu lugar, sua posição, seu jeito e seu aspecto, é ato que te persegue durante toda a vida e, ouvir que coisa de preto é extravagante, vibrante e negada, também!
UNINDO TRAÇOS E FORÇAS CONTRA UM SISTEMA QUE TE ANULA
Tão logo, identificar-se como raça negra, hoje, é muito mais do que encontrar traços biotípicos semelhantes, é entender uma história. É muito mais que tão simplesmente excluir o que me definiu como cor de papel em registro. É escolher o lado da justiça e da igualdade. É dar o real valor ao que tem qualidade e não origem, e reconhecer o que é de origem com poder, propriedade e glória! Porque a periferia não é e não pode ser sinônimo de coisa ruim.
Definir-se como negro, é muito mais que juntar todas essas particularidades que me naturalizam aqui, é um ato político antirracista que se quer e deseja eliminar quaisquer vestígios de injustiça, genocídio e desigualdade!
Logo, se te põem em um nicho neutro em que não te identificam de um lado por ser estruturalmente negado e nem de outro, por não ser “genuíno”, você está do lado oprimido!
Portanto, sim, hoje posso dizer com bastante convicção que,
EU SOU NEGRO!
Referências:
P.S.: Este blog é um mero expresso de vivências e informações que me trouxeram até este ponto de conhecimento sobre o assunto. Portanto, não quer dizer ser autoridade no discurso ou tão pouco ter esta pretensão.





Comentários
Postar um comentário
Leia, Comente, Critique e Dê o Veredito!